*Marcelo Moya
Se não fosse Thomas Edison com sua lâmpada elétrica incandescente, hoje talvez não teríamos a iluminação LED. Se Karl Benz não tivesse inventado o primeiro motor combustível, talvez hoje o jogador Cristiano Ronaldo não desfrutaria de seu Bugatti La Voiture Noire, o mais moderno automóvel do mundo. Ou se Santos Dumont não tivesse insistido em seu 14-Bis, será que alguém viajaria pelo mundo dentro de um confortável e seguro Airbus-A380?
E o que dizer do campo científico, desde os experimentos egípicios e babilônicos, à microbiologia de Louis Pasteur, passando pela invenção da aspirina por Felix Hoffman ou Alexander Fleming com a descoberta da penicilina, o que seria da humanidade sem as recentes vacinas para combater uma das maiores crises pandêmicas da história da civilização?
No campo do mente humana, tudo começa com medicina de Hipócrates na Grécia clássica do século IV a.C através de seu tratado das Teorias Humorais, passando pela dupla Philippe Pinel e Esquirol no século XVIII quando desvendaram uma gama de patologias mentais, chegando aos atuais com os avanços tecnológicos e neurocientíficos das atividades cerebrais.
Mas um outro e importante divisor de águas ocorre no fim século XIX através de um austríaco chamado Sigmund Freud, médico neurologista que se dedicou avidamente aos estudos de fenômenos mentais, fundando a revolucionária metapsicologia para 'o tratamento das neuroses', a psicanálise, que adentra o século XX como umas das mais importantes descobertas da era moderna.
Registrado como Sigismund Scholomo Freud, nasceu no dia 06 de maio de 1856 em Freiberg, atual República Tcheca (território austro-húngaro na época), mas viveu a maior parte de sua vida em Viena, então grande centro cultural da Europa. De descendência judaica, fugiu da perseguição nazista exilando-se na Inglaterra onde passou os dias finais de sua vida. Faleceu no dia 23 de setembro de 1939 aos 83 anos de idade vítima de câncer no palato, deixando um incalculável e descomunal legado científico e intelectual para a humanidade.
Freud ingressou na faculdade de medicina aos 17 anos, empreendendo-se inicialmente nas pesquisas de neurofisiologia. Casou-se e teve 6 filhos. Na França conheceu um hospital psiquiátrico dirigido por outro neurologista, Jean Charcot, onde encontrou inspiração para estudar os fenômenos mentais e as doenças nervosas, e como resultado em sua incansável busca, cunhou na psicanálise o método de exploração de processos mentais inconscientes. Em 1900 publica a Interpretação do Sonhos, cujo desejo de seu autor era que esta obra fosse o grande tratado inaugural do século XX, e foi.
Sofreu duras críticas inclusive da própria sociedade médica de sua época. Teorias como a nova maneira de entender a sexualidade a partir do infantil, a regência da personalidade pelo inconsciente, e a possibilidade de uma vida psíquica que não se limita apenas à natureza orgânica, causaram uma série de controversas e duras resistências para serem aceitas, mas devido a consistência de seu método, aos poucos foi ganhando espaço por toda a Europa e outras partes do mundo.
Com mais de quatro décadas dedicadas à doutrina psicanalítica, Freud publicou inúmeros livros e artigos que também incluem temas como a cultura, mitologia, sociedade, artes e história. Fundou a Sociedade Psicanalítica de Viena, cujo movimento segue se expandindo pelo mundo até hoje, sobretudo através de dois dos principais pensamentos, a britânica de Melanie Klein e seus sucessores como Winnicott e Bion, e a escola francesa encabeçada por Jacques Lacan.
A psicanálise e seus analistas
A psicanálise surgiu como um método de exploração do inconsciente (o desconhecido em nós), desencadeando inúmeras teorias em torno dos processos mentais e que refletem na natureza do indivíduo com implicações nas relações humanas e na cultura.
Técnica e epistemologicamente distinta de outras psicoterapias, fazer análise é como digerir e transformar sentimentos e pensamentos contidos na realidade psíquica, é apresentar para a pessoa como ela pensa e vive suas experiências emocionais, além de algo dela própria que ela não podia perceber, contribuindo com o autoconhecimento e o fortalecimento da personalidade para seguir sendo o que se é.
A tradição das principais instituições de transmissão psicanalítica no mundo preza por um ofício psicanalítico livre e isento de intervenções ou regulamentações governamentais, como os sacerdotes, psicopedagogos e jornalistas por exemplo, e sua prática no Brasil é totalmente legal. A formação de um analista difere do ensino acadêmico convencional, e se dá através de escolas, associações ou sociedades psicanalíticas organizadas exclusivamente para este fim.
Pessoas de qualquer área de graduação comprovada podem se candidatar conforme exigências de cada entidade formadora, desde que apresentem considerável capacidade intelectual, estejam em análise pessoal, além de ser indispensável ao futuro analista, um apreço pelas artes, cultura, conhecimentos gerais e o ávido gosto pelo estudo e leitura.
A formação do analista se alicerça no tripé freudiano de análise pessoal, conhecimentos teóricos-técnicos e supervisão clínica, e considerando a pluralidade de entidades formadoras, é preciso estar atento à idoneidade, o histórico e compromisso ético com a qualidade de cada etapa deste tripé como critérios essenciais na hora de escolher uma instituição.
Outro aspecto a observar com devida relevância é que a psicanálise não é uma exclusividade ou tampouco subordinada a qualquer outro campo de conhecimento científico ou profissional sob a pretensa justificativa de aferir e restringir a competência ou capacidade de seus pares, embora se mantenha aberta e flexível ao amplo diálogo interdisciplinar com outras áreas do saber, e também se autoriza ao vínculo com outras vertentes para se organizar em torno de sua transmissão e formação.
Baseada na observação das experiências emocionais captadas durante uma sessão, é através dos fatores inconscientes (o que o paciente desconhece de si) que se descobrem as mais ricas expressões da natureza humana, fonte de suas expressões criativas, laços sociais e de personalidade. Por outro lado, uma mente inexplorada pode reservar consideráveis sentimentos de mal estar e infelicidade que interferem no que somos, como nos relacionamos, amamos, trabalhamos e encaramos a a vida.
Fazer análise é um percurso de crescimento mental, de transformações, de pensar as emoções e aprender a lidar melhor consigo mesmo, digerir sentimentos inquietantes, entender as funções e relações com o próprio sofrimento, obter novos olhares para velhos dramas existenciais e seguir vivendo com mais autenticidade, maturidade, plenitude e lucidez, aliás, algo bastante libertador.
Neste dia 06 de maio, a homenagem a todos os psicanalistas, artesãos da mente dedicados ao árduo trabalho de seguir explorando as mais insurgentes e paradoxais emoções humanas. Como disse Freud: “ – um dia, quando olhares para trás, verás que os dias mais belos foram aqueles em que lutaste.”
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* Marcelo Moya é psicanalista, membro docente do Instituto Ékatus da Escola Paulista de Psicanálise. www.linktree.com/marcelomoya.