10/10/2020 às 01h40min - Atualizada em 10/10/2020 às 01h36min

DO PÉ DE FEIJÃO DE JOÃOZINHO À GOIABEIRA DE DAMARIS:

Um pensar acerca das turbulências emocionais na infância e adolescência.

Marcelo Moya

Marcelo Moya

Psicanalista, membro do Instituto Ékatus da Escola Paulista de Psicanálise.

Marcelo Moya
 
Era uma vez duas crianças. Um menino que saiu para vender uma vaca na cidade a pedido de sua mãe. Enganado na feira, troca o animal por alguns caroços de feijão supostamente mágicos. Ao retornar para casa, a fúria desta mãe a fez lançar os feijões pela janela. No dia seguinte, o garoto se depara com um pé de feijão enorme que o levaria escalar até um castelo onde encontraria um saco de moedas de ouro e outros tesouros, mas para obtê-los, teria que enfrentar um gigante furioso que devorava as pessoas. A outra criança, uma menina de apenas dez anos que já sofria de depressão desde os seis e acumulando um histórico de sofrimento e dor.
 Com intenções suicidas, ela decide subir num pé de goiabeira nos fundos da casa de seu pai, mas foi naquele momento que ela teve uma experiência particular de natureza alucinatória-mística-religiosa que felizmente a fez mudar de ideia.

O primeiro é um famoso personagem fictício da literatura como tantos outros protagonistas de histórias infantis, a segunda é alguém da vida real, hoje uma líder religiosa que ocupa inclusive um lugar de destaque no cenário político nacional. Há uma conexão entre estas duas experiências, a da ficção e da realidade. De um lado, um menino com seu pé de feijão e símbolo da luta pela sobrevivência e dos conflitos de caráter, e de outro, a menina com sua goiabeira que poderia ter se transformado em ícone de tristeza e tragédia. São imagens simbólicas e de farta riqueza representativa para a psicanálise. O anseio pela vida e pela morte, por exemplo, rudimentares nos tratados teóricos da metapsicologia freudiana.

De pés de feijões às goiabeiras pelo país afora, indicativos acerca 
de crianças que travam esta luta de vida e morte são alarmantes. Quando se constata variações de natureza psíquica, considera-se os aspectos biológicos, hereditários, éticos, sociais e familiares que atingem a vida emocional, tais como, violência, abusos, abandono, privação, maus cuidados (independente da classe social), falhas na gestação e nascimento, precariedade alimentar (as vulneráveis comendo mal pela escassez e as estáveis comendo mal por excesso), equívocos no educar, principalmente na questão do limite, afeto, rotina e regras (que a propósito abordo numa de minhas palestras para pais e educadores), entre outros.

Prova disso, uma pesquisa realizada por um importante jornal indicou um aumento da quantidade de óbitos de menores entre 10 a 14 anos com base em aspectos psicológicos, e como a segunda principal causa de morte (acima da média de acidentes de trânsito) a faixa etária entre 15 e 19 anos. Outro dado preocupante, é que a quantidade de internações psiquiátricas infantis cresceu em quase 40% nos últimos anos por transtornos e abusos de substâncias psicoativas, e que entre pré-adolescentes e adolescentes, por exemplo, as tentativas de suicídio se elevou absurdamente em torno de 200%.

As necessidades de uma criança, normalmente observados pelo vértice social e de comportamento, carecem também de um olhar voltado para a qualidade psíquica, haja vista que as fases iniciais do desenvolvimento mental serão determinantes na constituição da personalidade. Neste caso, a premissa fundamental que nos encoraja a lançar um olhar atento sobre a vida emocional infanto-juvenil é que eles também podem sucumbir psiquicamente, e inegavelmente são incapazes de lidar com isto sozinhos.

Normalmente pensar em cuidado da mente remete-se à vida adulta. (10 de Outubro é o Dia Mundial de Saúde Mental). Mas fato é, que diagnósticos mais frequentes como a ansiedade e a depressão, dentres outras inúmeras inquietaçoes psíquicas, apontam que o sofrimento da alma (psiquê) não escolhe idade para se manifestar, e portanto, os menores. Fatores como inibição intelecutal, déficit de atenção e hiperatividade, transtornos de aprendizagem, isolamento, agressividade, automutilação, disfunções psicomotoras, etc, ocupam o topo na lista de queixas de famílias e escolas

Recomendo o documentário “A ira de um anjo” (1992) disponível no YouTube. A produção relata uma história real ocorrida nos EUA na década de oitenta, sobre uma criança que perdeu sua mãe biológica no primeiro ano de vida e passou a sofrer abusos cuja situação era de extrema vulnerabilidade e abandono. Ela desenvolveu precocemente um caso raro de psicose que a deixara agressiva, violenta, apática e com desejos homicidas principalmente pelos pais adotivos, o irmão mais novo e os animais de estimação.

O cuidado integral de uma criança também deve se levar em conta aspectos de sua vida emocional. E este é um desafio para os pais, educadores e a sociedade como um todo, desde as dinâmicas familiares mais elementares até as de maiores complexidades que irão demandar soluções aternativas, testes, psicoterapias e cuidados médicos. A investigação do mundo mental de crianças e adolescentes pela psicanálise, por exemplo, contribui signficativamente para o desenvolvimento psíquico e suas transformações. A psicanalista austríaca Melanie Klein (1882-1960), precursora da análise infantil, afirma que "é essencial encarar a criança como um ser humano que começa com todos os sentimentos intensos dos seres humanos, embora, sua relação com o mundo esteja apenas principiando."

Narra-se que o Jesus com quem a menina da goiabeira se encontrou cresceu em estatura (física e mental), graça e sabedoria. Que assim seja com os nossos pequeninos. E nós como família e sociedade devemos empreender todos os esforços neste objetivo. "Criança feliz, feliz a cantar, alegra a embalar, teu sonho infantil, óh meu bom Jesus, que a todos conduz, olhai as crianças do nosso Brasil."

 
Feliz Dia das Crianças!

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Marcelo Moya 
é psicanalista. Membro do Ékatus Instituto, docente-facilitador e tutor no programa de formação e de cursos de extensão da Escola Paulista de Psicanálise/EPP. Reside em Jacarezinho/PR. Atende local e on-line para todo Brasil com sessões de análise, supervisão clínica, cursos e palestras. WhatsApp: 46.9.9982-8997, E-mail: [email protected]. Site: www.marcelomoya.com.br
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