13/03/2023 às 10h56min - Atualizada em 13/03/2023 às 10h11min

ALGUNS MITOS SOBRE PSICANÁLISE

Hipnose, regressão, traumas passados, cura de patologias...

Marcelo Moya

Marcelo Moya

Psicanalista, membro do Instituto Ékatus da Escola Paulista de Psicanálise.

*Marcelo Moya

"Certa vez perguntaram para Sigmund Freud porque ele havia abandonado o método hipnótico. Sua resposta foi de que
o trauma não era o núcleo da neurose e também porque nem tudo o que o paciente dizia sobre efeito pré-onírico não era verdadeiro, e por isso apontou o equívoco de associar a prática psicanalítica a métodos de sugestão. "

Não poucas vezes já fui indagado se na minha clínica pratico hipnose ou regressão, teve até quem já ousou me perguntar se meus pacientes levitavam durante as sessões bem ao estilo do famoso ilusionista da TV anos 80 chamado David Copperfield. Questiono se este assunto já não estaria se transformando em um tipo de folclore popular, muito pela falta de informação adequada às pessoas, bem como pelas ‘pseudo-terapias’ existentes e difundidas por aí desde sempre.

Mas vamos ao que interessa. Em primeiro lugar, Sigmund Freud, o precursor de método psicanalítico até conheceu e testou, mas declinou da hipnose logo no início de seus experimentos clínicos no fim do século XIX, e explicou detalhadamente em seus escritos porque isso era totalmente ineficaz à psicanálise. Ele substituiu pela Livre Associação, regra analítica praticada até os dias atuais.
 
Não se deve confundir psicanálise com parapsicologia.

Em segundo lugar, na história oficial do movimento psicanalítico, nem Freud tampouco seus sucessores se envolveram com práticas místicas-regressivas, não se deve confundir psicanálise com parapsicologia, por exemplo, sobretudo que sendo o inconsciente desconhecido, infinito, incognoscível, atemporal, porém explorável, estamos lidando com um campo de possibilidades infindas, cuja única evidência é a experiência emocional.

Um outro aspecto é que mesmo pela controversa lógica freudiana ontológica e causal, na visão de Freud o núcleo das neuroses não seria um trauma real já vivido, mas de um desejo sexual e proibido. É no presente que se lida com as marcas deixadas pela vida, e a obstinação por caminhos pretéritos pode abrir feridas narcísicas como a vitimização, além do risco de se cair numa sádica e perigosa armadilha psicótica numa busca por vingança.
 
Numa máxima freudiana, o escopo de nossas neurores não se limitaria ao medo de sofrer, ou daquilo que se sofreu um dia, mas do medo de ser feliz para além da conta.

Numa máxima freudiana, o escopo de nossas neurores não se limitaria ao medo de sofrer, ou daquilo que se sofreu um dia, mas do medo de ser feliz para além da conta, e aí então, sofrer das implicâncias de uma felicidade extremamente prazerosa, insuportável e abstolutamente inaceitável do ponto de vida da civilização e da cultura, e portanto, as sublimações.
 
Por fim, a psicanálise cuida do ser adoecido e não da doença 'mental' em si. É pela exploração do inconsciente, uma função desconhecida dos pensamentos não acessíveis naturalmente à consciência, mas explorada por instrumentos psicanalíticos, que ajuda a pessoa se conhecer e se entender melhor, expandir a mente, transformar emoções, lidar com suas angústias, inquietações e sofrimentos pelos quais não é possível encontrar soluções, respostas prontas, fórmulas mágicas ou remédios em qualquer farmácia. Como afirmou o psicanalista Wilfred Bion, " - o analista tenta ajudar o paciente a ser ele mesmo, a ousar ter suficiente respeito pela sua personalidade, para ser aquela pessoa."
 
Não me cabe julgar outras práticas, mesmo que discorde. O que busquei aqui foi descrever as incompatibilidades, inconsistências, discrepâncias e implicâncias éticas de associar o uso inadvertido de outros artifícios rudimentares com a prática psicanalítica, e nessa condição apontar para a tentativa de uma terceirização da dor psíquica, de querer achar fatos e culpados dos fracassos da vida em algum lugar perdido do passado, e de se esquivar da responsabilidade com o própria história e sofrimento. "O futuro repetirá o passado se o presente não for modificado." (Elias Mallet).
 
Ainda existe muito confusão a respeito.
 
Ainda existe muita confusão a respeito. Dos equívocos acerca do que realmente é e para que serve a psicanálise, o insuficiente ou frágil preparo para o exercício psicanalítico, a enxurrada de terapias alternativas disponíveis no mercado e as ofertas de certificados baratos com formações curtas e bastante questionáveis, sem contar aqueles mais ousados, que consideram bastar o domínio de uma meia-dúzia de teorias psicanalíticas para se 'autorizarem' analistas sem nenhum critério ou orientação institucional. 

É importante que se saiba que a formação do psicanalista é repleta de fascínios, descobertas e transformações, mas seu percurso é complexo, gradual, dispendioso, difícil, contínuo e também tem seus percalços, assim como a vida. Recomendo que leiam o artigo: "Como escolher um curso ou uma formação em psicanálise?" Disponível no link: https://bityli.com/mUDNv8  (copie e cole no navegador). A formação do psicanalista é, antes de tudo, um processo complexo e ‘metamórfico’, não apenas um saber intelectual...” (Marisa Queiroz)
 
Para Freud, a psicanálise foi criada a partir e para seres adoecidos com incapacidade de viver, e seu trifunfo seria tornar um número satisfatório de pessoas capazes de viverem a sua existência sendo o que se é e de forma duradoura, retirando-as do sofrimento neurótico e inserindo-as no sofrimento humano. Como afirma o filósofo Luis Pondé, " A idéia é de que você faça análise e que de alguma forma encontre mais espaço dentro de si mesmo, para ser seja lá o que for". 

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*Marcelo Moya é psicanalista, membro  do Instituto Ékatus da Escola Paulista de Psicanálise com mais de dez anos dedicados aos estudos psicanalíticos. Atende presencial em Jacarezinho na Clínica São Bento e On-line para outras localidades. Acese www.marcelomoya.com.br

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