27/12/2023 às 09h47min - Atualizada em 27/12/2023 às 09h46min

Doce Morfina

Tony Lima

Tony Lima

Radialista, jornalista e cronista

Tony Lima
DOCE MORFINA O vento batia em meu rosto. A sensação era indescritível. Levantar pela manhã, tomar banho sozinho, sentir a água escorrendo em meu corpo esquelético, 25 quilos mais magros e pernas recém recuperadas depois de quatro meses de inércia nos membros inferiores. Quatro meses acredite, foi necessário para dar valor as pequenas coisas e pessoas, um retiro forçado que foi além dos leitos hospitalares. Por insistência e teimosia voltei ao jornalismo, a minha segunda casa, para minha rádio. Local que até hoje tenho o orgulho de fazer o jornal de meio dia o “o Jornal da Educadora”. Já sem o auxílio da cadeira de rodas mas com as pernas atrofiadas, duas costelas ainda quebradas, uma fratura na última vértebra da coluna e um rim a menos (vale lembrar que passei por oito cirurgias neste processo). “O que isso tem haver” você deve estar a imaginar nesta altura do campeonato. Pois bem, 25 quilos mais magros, pernas atrofiadas, costelas quebradas e uma fratura na coluna. O que um ser nesta característica tem de atrativo. Meu acidente, provocado por mim (pura e exclusiva culpa minha), me colocou nesta situação. Mas por Deus quem olharia para um esqueleto humano, sem nenhuma beleza física, e cheia de rótulos negativos. Difícil provar que você mudou. Acredite isso leva tempo, muitas vezes uma vida inteira. Mas eu estava vivo, precisava ao menos continuar respirando principalmente pelo meu pingo de gente chamado Pedro. Mal sabia eu que, havia me esquecido que é perca de tempo passar a vida tentando provar algo pra alguém. Viver para provar é patético. A vida está aí pra ser vivida. Mas foi aí que minha vida deu um UP grade. Ela havia marcado um salão que atrasou, estava de viagem marcada para grande capital paulista. Precisou as pressas ir ao centro. Buscar produtos para viagem e foi “em um Pé e voltou n’outro”. O que não adiantou porque a intenção era pegar o mesmo ônibus circular. O que não aconteceu. O que levaria uma vida pra “provar a minha mudança “aconteceu dentro da circular em um olhar. Jamais, repito jamais alguém havia me olhado daquela forma. Jamais havia visto alguém sorrir com os olhos. Olhinhos de panda e uma voz suave que compenetrou meus ouvidos. Eu, homem de palavras, persuasão, (meu trabalho é falar, vivo de juntar as palavras), e pela primeira vez, repito mais uma vez, pela primeira vez um olhar, olhar de panda me deixou sem palavras. Conversamos mas confesso que não prestei atenção em uma única palavra que ela me dizia. Compenetrado nos olhos de panda e no sorriso mais puro e sincero que já havia visto. Por dois minutos ela perdeu a circular e mudou minha vida. Fui calado por um olhar (meu olhar de panda) e por um sorriso inesquecível. Sim. Não precisava mesmo provar nada á ninguém havia encontrado mais um motivo pra me manter vivo, Pedro e Dany. Sim o nome de minha doce morfina, que retirou literalmente minhas dores (principalmente dores da alma e culpa tem um nome, hoje Dany Lima). Minha única, minha pandinha, minha doce morfina. Que por ordem de Deus se interessou por um manco, de coluna fraturada e sem os movimentos da perna direita totalmente recuperada. Ainda mais nervoso pela minha situação, costelas quebradas, e 20 quilos mais magros. E ainda assim ela me percebeu no meio de um ônibus lotado. Falou comigo e me tirou do meu mundinho. O sarcástico, irônico, o agente do caos, explosivo, o homem de palavra que não leva desaforo pra casa, com o dom da persuasão, o homem da comunicação, com o dom da palavra, foi vencido por um sorriso que me tirou do lugar comum. Vencido um olhar de panda. Ela é minha doce morfina. Graças a Deus ela perdeu o ônibus por dois minutos. Na verdade foi isso que salvou a minha vida. Estou vivo Por dois minutos em que tudo deu “errado” pra ela. Não acredito em coincidências acredito que Deus precisou de apenas dois minutos pra matar dois coelhos com uma cajadada só. Azar daqueles que mentem e fingem, vivem de máscaras e mentiras, nós não tivemos medo da verdade. E sinceramente graças a Deus deu tudo errado pra ela naquele dia. Perdeu o ônibus circular e estava “fula” da vida. Mas graças a Deus que ela perdeu a circular aquele dia. Minha vida foi salva por dois minutos em que ela perdeu o ônibus. Agradeço a Deus pelos médicos e por tudo. Mas minha doce morfina só foi conhecer graças ao atraso e azar dela de perder o lotação. Azar o dela. Sim continuo sarcástico. Graças a Deus. Hoje vivo ao lado da minha doce morfina.
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